O litígio iniciou em 1758 e permanece até hoje. O Piauí entrou na Justiça para reaver área de terras que fica na Serra da Ibiapaba e envolve 13 municípios cearenses e oito piauienses. Ao todo, são 3 mil quilômetros quadrados de terras, a maioria da Zona Rural dos municípios, e cerca de 25 mil pessoas envolvidas.
Linha mostra divisão considerada pelo IBGE
Está previsto para ser divulgado nesta sexta-feira (28) o laudo da perícia do Exército Brasileiro acerca do litígio de terras entre o Piauí e o Ceará. O que acontece a partir de agora? Os limites estaduais serão redefinidos? Leia a reportagem e entenda o que deve acontecer.
O que é o litígio?
O litígio entre o Piauí e o Ceará é uma disputa territorial iniciou em 1758 e permanece até hoje devido a inúmeras controvérsias quanto à divisa entre os estados. As questões envolvem, por exemplo, o mito de que o Piauí nunca teve litoral e que o trecho teria sido cedido pelo Ceará. Mapas históricos apontam que o estado sempre teve saída para o mar e que, inclusive, a faixa litorânea já foi maior.
O território em disputa é de 3 mil quilômetros quadrados de terras na Serra da Ibiapaba, a maioria das terras fica na Zona Rural dos municípios, e envolve 13 municípios cearenses e oito piauienses. Vivem cerca de 25 mil pessoas nestas áreas.
Diante da situação, o Piauí ingressou com Ação Cível Ordinária no Supremo Tribunal Federal em 2011 com o intuito de reaver as terras, conforme a Procuradoria Geral do Estado do Piauí (PGE-PI). A ação impetrada pelo governo do Piauí já custou R$ 6,9 milhões aos cofres piauienses.
Desde então, vários documentos têm sido analisados no processo, em especial mapas históricos e decretos que datam do período imperial.
As ações mais recentes aconteceram desde 2019, quando a ministra Cármen Lúcia, que preside a ACO, determinou que o Exército Brasileiro iniciasse a perícia técnica na região. Isso porque, em 1920, sob mediação do presidente Epitácio Pessoa, os dois estados assinaram acordo para um levantamento feito pelo governo federal na região, o que nunca aconteceu.
O que deve acontecer agora?
O laudo pericial deve fornecer aos estados e ao STF um parâmetro sobre a demarcação de terras na divisa. Dessa forma, o laudo balizará a decisão da Justiça nesta nova definição territorial. Essa decisão, contudo, não será tomada de imediato.
“A perícia é um laudo técnico apresentado pelo Exército com a finalidade de declarar os marcos divisórios entre os dois estados. Como se trata de um meio de prova, ele servirá como instrumento de convencimento dos Ministros do STF, que avaliarão todas as provas anexadas ao processo para tomar sua decisão”, diz o procurador da PGE-PI, Lívio Bonfim.
- Após o laudo, o que acontece?
“Com sua juntada ao processo, as partes serão intimadas para se manifestar sobre referido documento, momento em que poderão alegar vícios, falhas ou pedir esclarecimentos complementares por meio de quesitos”, explicou o procurador.
Dessa forma, não será tomada decisão sobre o litígio neste momento.
- Algum piauiense vai se tornar cearense ou algum cearense vai se tornar piauiense?
Não. As questões identitárias de pertencimento entre os estados será mantida.
- O Piauí vai perder cidades para o Ceará?
Não. Nenhuma área de território piauiense está em disputa.
- O Ceará vai perder cidades para o Piauí?
Não. A disputa não inclui cidades inteiras, apenas áreas consideradas de zona rural de cidades cearenses, mas que oficialmente não pertencem a nenhum dos dois estados, por estarem em litígio.
Uma eventual mudança de território somente acontecerá após o final do processo com o trânsito em julgado da decisão tomada pelo Supremo Tribunal.
- Quais cidades estão envolvidas?
Os municípios cearenses envolvidos na disputa, que podem perder parte do seu território, são: Granja, Viçosa do Ceará, Tianguá, Ubajara, Ibiapina, São Benedito, Carnaubal, Guaraciaba do Norte, Croatá, Ipueiras, Poranga, Ipaporanga e Crateús.
Área de litígio entre Piauí e Ceará — Foto: Arte g1
- O que os estados esperam do laudo pericial?
“O Estado do Piauí aguarda um laudo cuja metodologia se fundamente na análise dos documentos técnicos, geográficos e históricos apresentados pelos estados e que considere o pico da Serra da Ibiapaba como linha divisória entre os estados, conforme estabelecido no Decreto Imperial n° 3012/1880 e na Convenção Arbitral de 12 de julho de 1920”, informou o procurador Lívio.
“Em havendo vitória, o Estado do Piauí terá segurança jurídica para destinar seus investimos à região, de modo que a população diretamente afetada tenha uma infraestrutura de serviços fornecida pelo Piauí”, completou.
Procurada sobre a disputa, a Procuradoria Geral do Estado do Ceará informou que só vai se pronunciar após a divulgação do laudo.
- Quando o STF vai decidir sobre o litígio?
Não há previsão para a decisão acontecer.
O STF e o Exército já informaram que não se manifestam sobre o caso.
- Há possibilidade de acordo sobre o caso?
Conforme o procurador do Piauí, o estado sempre esteve aberto a um acordo justo e os Ministros condutores do processo podem a qualquer momento estimular a solução consensual do litígio.
O litígio iniciou em 1758 e permanece até hoje. Os dois estados disputam uma área de terras que fica na Serra da Ibiapaba e envolve 13 municípios cearenses e oito piauienses. Mesmo com decisão a favor do Piauí, o Ceará não perderá nenhuma cidade.
O Estado do Ceará defende que documentos e mapas históricos comprovam a posse do território ao Ceará, e criou, em 2023, um grupo de trabalho para analisar o litígio. O grupo é formado por diversos órgãos do estado e conduzido pela Procuradoria-Geral do Ceará.
Prefeitura do PI contabiliza cearenses nos serviços de saúde
Litígio PI/CE: moradores da região querem definição do impasse
A informação foi divulgada em reunião na Associação Piauiense de Municípios (APPM), em Teresina. Os prefeitos de cidades que têm dividas na região do litígio se reuniram para discutir os problemas causadas devido à indefinição no território entre o Piauí e o Ceará.
“Nós fazemos divisa lá com o município de Poranga, no Ceará. A população do interior de Poranga usufrui muito do nosso serviço de saúde, do comércio de Pedro II. E eles andam sempre. Eu fui colocar uma estrada e quando coloquei no mapa, batia que era do Ceará, mas é nossa comunidade”, relatou a prefeita de Pedro II.
Segundo a Procuradoria do Estado do Piauí o avanço do Ceará para o Piauí se estende por cerca de 500 quilômetros quadrados neste trecho. A região total de litígio que o Piauí solicitou na Justiça ultrapassa 3 mil km quadrados e pode chegar ao dobro.
Na reunião, os prefeitos exigiriam que a decisão do litigio seja agilizada, devido aos prejuízos pela indefinição quanto à posse do território. No entanto, a Procuradoria do Estado do Piauí acredita que a decisão só deve ser tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2025.
Correções no Mapa do IBGE
Como se trata de litígio, essa área, conforme observa Franzé, no momento “não pertence nem ao Piauí nem ao Ceará“. A informação é destacada por Eric Melo, mestre em geografia, estudioso do tema e assessor técnico do governo do estado.
“O Piauí sempre reivindicou essas terras e sempre reclamou junto aos governo centrais sobre as invasões, mas o Ceará é uma potência e sempre conseguia abafar a questão. Tanto que hoje o IBGE passou pro Ceará, nos seus mapas, áreas que são do Piauí. Comprovando e descarando a invasão cearense”, afirmou ele em reportagem especial do g1 publicada em maio de 2022.
“Além disso, nós, do Piauí, entramos com ação, que está no Supremo Tribunal Federal, em que defendemos a tese de que essas terras pertencem ao Piauí. Portanto, queremos que esse mapa seja imediatamente corrigido, inclusive, porque ele irá parar nos bancos escolares”, completou o deputado Franzé Silva.
Procurado pelo g1, o IBGE informou que as divisas seguem “delineamentos fundamentados nas folhas topográficas” e levam em conta questões como cidadania considerada pelos moradores da região, desconsiderando “as antigas áreas de litígios nos mapas municipais no trecho da divisa estadual entre o Piauí e Ceará”. Acesse a íntegra da manifestação do IBGE sobre o caso.
O caso do litígio entre Piauí e Ceará está sendo acompanhado na Alepi pela Comissão de Estudos Territoriais (Cete). O litígio envolve sete municípios do lado do Piauí e treze da parte do Ceará.
Conforme o procurador, a expectativa é de que o laudo considere os documentos históricos e o trabalho de campo do Exército na região do litígio. No processo já estão listados documentos como mapas e decretos imperiais.
Contudo, um novo documento, apresentado pelo mestre em gerografia Eric Melo, assessor técnico do governo do estado, também deverá compor o processo. O documento é um alvará de 1770, do então rei de Portugal, D. José I, anexando o território de Vila Viçosa Real à capitania do Piauí. Anteriormente Aldeia da Ibiapaba, a Vila posteriormente tornou-se Viçosa do Ceará.
Com base no laudo, os ministros do Supremo Tribunal Federal irão decidir sobre a real propriedade das terras.
Laudo do Exército sobre litígio entre o Piauí e o Ceará deve ser concluído em maio de 2024 — Foto: Maria Romero/ g1 Piauí
Documentos mostram que PI nunca”trocou” terras com o CE
O assunto foi tema da dissertação de mestrado, pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), do geógrafo Eric de Melo. Ele hoje integra o grupo de trabalho que acompanha a perícia. Após extensa pesquisa, Eric é taxativo: o Piauí sempre teve direito ao território e o Ceará permanece avançando sobre terras piauienses.
Ele diz que muitos mitos precisam ser desfeitos: o primeiro de que o Piauí nunca teve litoral e que o Ceará teria cedido o território ao estado. O segundo de que o trecho da Serra da Ibiapaba teria sido cedido ao Ceará nesta troca.
Mais detalhes sobre o litígio
- Municípios envolvidos
- Mitos entre os estados
- O Piauí sempre teve litoral
- Regras para divisão territorial
- Disputa judicial
- O que dizem os governos
- Potencialidades e atrativos da região
- O que pode acontecer?
Municípios envolvidos
Linha mostra divisão considerada pelo IBGE — Foto: Adelmo Paixão/g1
Os municípios cearenses envolvidos na disputa, que podem perder parte do seu território, são: Granja, Viçosa do Ceará, Tianguá, Ubajara, Ibiapina, São Benedito, Carnaubal, Guaraciaba do Norte, Croatá, Ipueiras, Poranga, Ipaporanga e Crateús.
O Piauí sempre teve litoral
“Antigamente, se dizia que o litígio havia surgido de uma ‘troca’ entre Piauí e Ceará, que dera o litoral do Piauí. Na verdade, o Ceará invadiu o litoral do Piauí e, em 1880, Dom Pedro II assina um decreto obrigando a devolução desse litoral”, explica o pesquisador Eric de Melo.
Mapas mostram que o Piauí já tinha território definido desde 1760, com o Mapa de Galucio — Foto: Mapa da Capitania do Piauí (1760), produzido pelo engenheiro militar Henriques Antonio Galúcio (NOGUEIRA, 2002)/Eric Melo
Ele completa: “Paralelo a isso, em decorrência das secas de 1840 e 1877, o Ceará recebia atenção especial do Império, que, aproveitando o decreto, decide passar para o Ceará terras do leste do Piauí, que compreendem as nascentes do rio Poti. Não foi uma troca”.
Os documentos citados mostram que o Piauí já tinha território definido desde 1760, com o Mapa de Galucio (acima). O primeiro mapa do Ceará é apenas de 1800 (abaixo).
Mapa do Ceará foi definido anos depois do mapa do Piauí e não incluía litoral piauiense — Foto: Eric de Melo/Mapa Geographicó da Capitania do Seará de 1800 de Mariano Gregório do Amaral
Regras para divisão territorial
De acordo com Melo, outro ponto importante é a regra para divisão territorial, que quando acontece por uma parte do relevo da região, considera o chamado divortium aquarum, o divisor de águas.
Assim, como a região fica em uma Serra, o ponto mais alto é o divisor natural. De um lado, o território é piauiense. Do outro, cearense. É a partir disso que o pesquisador afirma que o estado vizinho avançou esse ponto. Há regiões de cidades cearenses bem a oeste da Serra.
Disputa judicial
O procurador do Estado Luiz Filipe Ribeiro, que integra a Procuradoria do Patrimônio Imobiliário e Meio Ambiente da PGE-PI, explicou que, em 1920, durante a Conferência de Limites Interestaduais, foi assinado um acordo (Convênio Arbitral) entre os Estados do Piauí e do Ceará.
Este acordo foi firmado com o Presidente Epitácio Pessoa e nele ficou estabelecido que engenheiros de confiança do governo da República fariam um levantamento topográfico do trecho da causa. A ação nunca foi realizada e nos anos 2000 houve tentativas de acordo entre os estados que também não tiveram sucesso.
“Restando infrutíferas as tentativas de acordo, o Governador do Estado do Piauí autorizou, por escrito, que se buscasse o Poder Judiciário para solucionar esse litígio”.
Diante de toda a situação, em 2011 o governo piauiense, na época sob comando do governador Wilson Martins, buscou a Suprema Corte para decidir a questão. Segundo a Constituição, este é o órgão o responsável por solucionar casos de litígio no país.
Agora, em 28 de agosto, o Exército iniciou o trabalho de campo. Somente após a análise, o STF poderá decidir sobre o caso.
“Após a conclusão da perícia feita pelo exército, o STF deve oportunizar prazo para as partes se manifestarem. Em seguida, o processo deve ser incluído em pauta para julgamento pelo STF”, informou o procurador do Piauí, Luiz Filipe Ribeiro.
Potencialidades e atrativos da região
A área dispõe de características bastante atrativas para os setores econômicos de forma geral, em especial agropecuários e possui Produto Interno Bruto (PIB) estimado em aproximadamente R$ 6,5 bilhões. Além disso, o potencial hídrico é um dos grandes destaques. Nessas áreas, são encontradas 4 sub-bacias hidrográficas, sendo a maioria dos seus rios afluentes da bacia hidrográfica do Parnaíba.
Granja, Ceará — Foto: Mateus Ferreira
“Como prova disso, estão as criações do gado, caprinos, ovinos, suínos, galinhas, abelhas, equinos e diversas espécies de peixe, além das plantações e da atividade extrativista vegetal, que nos municípios que possuem seus territórios nas áreas de litígio, representam mais de 1.000.000 de hectares, distribuídos por quase 60.000 estabelecimentos”, informa a pesquisa de Eric.
Contudo, ele avalia que um dos entraves para maior desenvolvimento da região é a indefinição acerca da jurisdição.
“O desenvolvimento social e econômico de quem vive em meio ao litígio entre os estados é precário, uma vez que empreendimentos públicos e privados, assim como infraestrutura e serviços básicos não chegam a esses lugares devido à indefinição sobre a qual território pertencem essa área”, diz.
Segundo a deputada cearense, o Ceará pretende ouvir a população da região sobre o litígio. “Nós estamos fazendo algumas audiências públicas para coletar algumas assinaturas para abaixo-assinado mostrando o sentimento de pertencimento das pessoas que estão diretamente ligadas a esse litígio, que estão dentro dessa briga, e poderão perder alguma coisa ou não”, destaca.
O que pode acontecer?
Bom, mas afinal, o que pode acontecer dependendo dos resultados? Se o Ceará continuar com as terras, nada vai mudar.
Caso os territórios retornem ao Piauí, a principal mudança é que muitos territórios cearenses se tornarão piauienses. Assim como 25 mil pessoas do estado vizinho “mudarão” de endereço.
É importante destacar que os municípios não serão integrados ao Piauí em sua totalidade, mas apenas parte de seus territórios.
“O que pode ocorrer: áreas que hoje estão ocupadas pelo Ceará passarão oficialmente para a jurisdição do Piauí. Os núcleos urbanos que são registrados como do Ceará até 1880, mesmo estão sobre os planaltos da Ibiapaba, permanecerão como do Ceará. Agora o que foi instalado após 1880 ficará com o Piauí”, explicou Eric.
Procuradoria-Geral do Ceará:
Em 2011, o Piauí iniciou uma Ação Cível Originária no Supremo Tribunal Federal (STF) pleiteando áreas de municípios cearenses. O território em questão abrange 13 municípios, dos quais oito estão na Serra da Ibiapaba, totalizando quase 3 mil quilômetros quadrados (km²).
O processo está sob a relatoria da ministra Cármen Lúcia. O Estado do Ceará compreende que os principais afetados com qualquer decisão serão as pessoas que vivem na região do litígio e que, de forma inquestionável, se consideram, desde muitas gerações, pertencentes ao Ceará.
A defesa do Ceará no processo da Ação Cível Originária (ACO) n° 1831 baseia-se tanto na análise técnica de documentos e mapas históricos que comprovam a posse do território ao Ceará, quanto em outras importantes variáveis relacionadas ao direito da população que habita os municípios cearenses envolvidos na disputa. Ambos os argumentos já foram apresentados ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Exército.
Em 9 de março de 2023, o governador Elmano de Freitas determinou a formação de um Grupo de Trabalho (GT) para analisar o litígio entre os estados. O decreto autorizando a criação do GT foi assinado no mesmo dia. A coordenação desse grupo é conduzida pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE), com a participação da Controladoria e Ouvidoria Geral do Estado (CGE), Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh), Fundação Universidade Estadual do Ceará (Funece), do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece), do Instituto de Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace), da Secretaria de Desenvolvimento Agrário (SDA) e da Superintendência do Meio Ambiente do Ceará (Semace).
O objetivo fundamental desse GT é conduzir estudos abrangentes sobre a região, contemplando diferentes aspectos como perfil socioeconômico, histórico e demográfico. Além disso, foi realizado um inventário detalhado de equipamentos públicos e privados na área em disputa. O esforço conjunto dessas entidades visa trazer uma compreensão aprofundada da situação, contribuindo para a busca de uma resolução justa e sustentável para o litígio entre Ceará e Piauí.