O avanço mais recente da moeda norte-americana tem sido atribuído, principalmente, às questões internas, com foco nas repetidas declarações Lula — cujo tom tem desagradado agentes do mercado financeiro.
Notas de dólar. — Foto: Reuters
Quem tem acompanhado o noticiário percebeu que o principal destaque é a disparada do dólar. E nesta terça-feira (2) não foi diferente. A moeda norte-americana teve uma nova alta, de 0,22%, e fechou cotada a R$ 5,66 — o maior valor em dois anos e meio. Só em 2024, o aumento já é de 16,75%.
Grande parte das falas de Lula tem sido de fortes críticas sobre a atuação do Banco Central do Brasil (BC) e, em especial, do presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto.
Mas outros fatores importantes também têm entrado na conta do dólar, como a queda na expectativa de cortes nos juros dos Estados Unidos e o cenário fiscal brasileiro, em meio ao desafio do governo de buscar o déficit zero em 2024 (ou seja, ter gastos ao menos iguais à arrecadação).
Para especialistas, um eventual retorno de Trump à presidência dos EUA pode representar queda de impostos e um avanço do protecionismo na maior economia do planeta. Os resultados tendem a ser uma taxa de juros mais alta no país, fortalecendo, assim, o dólar.
Fatores como os juros dos EUA e as eleições são temas que afetam não só a moeda brasileira, mas todas as nações emergentes — que sentem o avanço do dólar a nível mundial. A questão, no entanto, é que a arrancada está mais veloz no Brasil por questões internas.
Veja abaixo a cronologia da disparada do dólar, com os principais fatos que a causaram:
▶️ 7 de junho: dólar vai a R$ 5,32
As incertezas sobre a postura do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) na condução dos juros do país ocorreram porque, naquele dia, dados do mercado de trabalho no país vieram mais fortes do que o esperado.
Mais vagas de empregos e salários mais altos significam uma economia mais aquecida, o que pode resultar em uma inflação mais elevada. Essa é a lógica considerada pelo Fed para manter os juros do país mais altos e, assim, tentar conter a inflação.
Mas como isso impacta o dólar? Juros mais altos nos Estados Unidos jogam a favor do dólar, já que tornam os rendimentos norte-americanos mais atraentes para investidores estrangeiros. Ou seja, se investidores tiram dólar do Brasil e levam aos EUA, o real perde força.
▶️12 de junho: dólar chega a R$ 5,40
“Todos os debates que se fazem se tratando de economia, a gente fala de um monte de coisa, mas me parece que os problemas sociais não existem. Eles existem. Estão nos nossos calcanhares, estão nas nossas portas, estão nas ruas”, disse Lula.
Foi a primeira declaração do presidente sobre as pressões que o governo já vinha sofrendo para que reduzisse gastos. Na visão do mercado financeiro, não há uma predisposição da gestão Lula para o controle fiscal. E a resposta veio em mais uma alta da moeda norte-americana.
Lula: estamos colocando as contas em ordem
▶️ 18 de junho: dólar a R$ 5,43
Na ocasião, Lula disse que o BC é a “única coisa desajustada” no Brasil e que o presidente da instituição “trabalha para prejudicar o país”.
“Só temos uma coisa desajustada neste país: é o comportamento do Banco Central. Essa é uma coisa desajustada. Presidente que tem lado político, que trabalha para prejudicar o país. Não tem explicação a taxa de juros estar como está”, afirmou Lula.
Lula disse que Campos Neto tem pretensões políticas, e sugeriu que ele pode assumir um cargo no Governo do Estado de São Paulo quando seu mandato no BC acabar.
O mandato de Campos Neto acaba em 2024, e Lula afirmou que vai indicar para seu lugar alguém com “compromisso com o crescimento do país”.
‘Só temos uma coisa desajustada no Brasil: é o comportamento do Banco Central’, diz Lula
▶️ 20 de junho: dólar a R$ 5,46
O movimento acompanhou o avanço da moeda no exterior, em dia de alta dos rendimentos dos Treasuries (títulos do Tesouro norte-americano). Investidores também repercutiram as falas de Lula após a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), que havia acontecido um dia antes, sobre os juros no país.
“A decisão do Banco Central foi investir no mercado financeiro e nos especuladores. Nós queremos investir na produção”, afirmou Lula durante entrevista à Rádio Verdinha, em Fortaleza.
Lula diz que decisão do Copom foi ‘uma pena’
▶️ 26 de junho: dólar a R$ 5,51
Também foi mais um dia marcado por fala de Lula, que voltou a criticar a decisão de juros, tomada pelo Copom uma semana antes. O presidente disse ainda que o governo está analisando os cortes de gastos.
“O gasto está sendo bem feito? O dinheiro está sendo utilizado para alguma coisa que vai melhorar o futuro deste país? Eu acho que está”, disse o presidente.
“Nós estamos agora fazendo uma análise aonde é que tem gasto exagerado, aonde é que tem gasto que não deveria ter, aonde é que tem pessoas que não deveriam receber e que estão recebendo. Isso com muita tranquilidade, sem levar em conta o nervosismo do mercado. Levando em conta a necessidade de manter política de investimento.”
Segundo Lula, a questão não é cortar, mas ter um panorama claro do que fazer. “O problema é saber se precisa efetivamente cortar ou se a gente precisa aumentar a arrecadação”, continuou.
Na visão do mercado financeiro, essa relativização da necessidade de cortar gastos significa uma relutância do governo, o que poderia comprometer o controle fiscal.
Recapitulando: a tendência de juros norte-americanos elevados por mais tempo também pesa contra o real.
▶️ 28 de junho: dólar a R$ 5,58
A declaração traz receio ao mercado, que entende a fala como uma sinalização de que o novo presidente vai promover quedas forçadas na taxa básica de juros, a Selic.
“Quem estiver apostando em derivativo vai perder dinheiro nesse país. As pessoas não podem ficar apostando no fortalecimento do dólar e no enfraquecimento do real”, declarou.
▶️ 1º de julho: dólar a R$ 5,65
Novas declarações de Lula foram, mais uma vez, o destaque da alta da moeda. Dessa vez, o presidente afirmou que o próximo presidente do Banco Central olhará para o Brasil “do jeito que ele é, e não do jeito que o sistema financeiro fala”.
“Estou há dois anos com o presidente do Banco Central do [ex-presidente Jair] Bolsonaro. Não é correto isso”, afirmou, ponderando que a autonomia do BC foi aprovada pelo Congresso Nacional e será respeitada.
“Eu tenho que, com muita paciência, esperar a hora de indicar o outro candidato, e ver se a gente consegue ter um presidente do Banco Central que olhe o país do jeito que ele é, e não do jeito que o sistema financeiro fala”, acrescentou, destacando que “quem quer BC autônomo é o mercado”.
Mais uma vez, a fala do presidente é vista pelo mercado financeiro como uma tendência de interferência na autoridade monetária, receio que fortalece o dólar frente ao real.
▶️ 2 de julho: dólar a R$ 5,66
“É um absurdo. Obviamente me preocupa essa subida do dólar. Há uma especulação. Há um jogo de interesse especulativo contra o real nesse país”, afirmou Lula.
“Eu tenho conversado com as pessoas o que a gente vai fazer. Estou voltando quarta-feira, vou ter uma reunião. Não é normal o que está acontecendo”, continuou.
O presidente também voltou a defender que o BC seja autônomo e reafirmou que Campos Neto tem viés político. “A gente precisa manter o Banco Central funcionando de forma correta, com autonomia, para que o presidente do Banco Central não fiquei vulnerável às pressões políticas”, disse.
“Quando você é autoritário você resolve fazer com que o mercado se apodere de uma instituição que deveria ser do Estado. Ele não pode estar à serviço do sistema financeiro, ele não pode estar à serviço do mercado.”
Além das falas de Lula, o mercado também ficou mais de olho na corrida eleitoral dos Estados Unidos. Nesta terça, o dólar avançou em relação às principais moedas de países emergentes em meio às preocupações de um fortalecimento de Donald Trump rumo à Casa Branca.
Lula faz novas críticas ao BC e dólar bate nos R$ 5,70, mas fecha em R$ 5,66